O Estado é nosso pai ausente

A figura do pai ausente é a perfeita definição de como o Estado atua nas nossas vidas. Ele não pagou o médico pra gente quando a gente teve gastrite, ele deixa faltar o remédio que a gente precisa tomar todo mês, ele não liga muito para a qualidade dos nossos estudos e muito frequentemente, mesmo sendo muito rico, deixa faltar comida na nossa mesa, porque preferiu gastar seu dinheiro com os amigos mais chegados.
A gente tenta se virar apesar do pai ausente, mas infelizmente quando a coisa aperta não resta outra escolha senão recorrer à ajuda dele. Mesmo explicando que ele precisa vir nos levar no médico porque o joelho tá doendo muito, há dias, ele nos diz que agora não tem jeito não, ele tá muito ocupado. Só pode daqui 2 meses.
A gente fica desolado. Como pode o meu pai me deixar 2 meses com o joelho doendo? Como pode o meu pai, que tem tanto dinheiro, gastar com os amigos bilionários enquanto eu mal consigo andar, tamanha a dor no joelho?
Assim sendo, todo mundo acha que sobrevive APESAR do pai ausente, e o grande problema é que nas raras vezes em que esse pai se dá conta de que está sendo ausente, nas escassas vezes em que ele tenta mudar de atitude, promover uma aproximação, a gente já não quer saber dele.
O Estado diz:
– Dá aqui, deixa eu te ajudar com o trabalho.
E a gente, revoltado, responde:
– Tira a mão do meu trabalho. Quando eu tava falindo eu te pedi dinheiro e você não deu, e quando emprestou, me arrancou o couro. Quando eu não tive dinheiro pro remédio do Júnior você também não deu e eu tive que me virar. Agora deixa, que eu faço sozinho.
O brasileiro é um eterno filho revoltado com o pai, um eterno cidadão revoltado com o Estado, entendendo que Estado não é somente o chefe do executivo, mas sim todos os seus poderes e estruturas.
O filho não obedece mais o pai. O Estado pede ao filho para não sair por aí dirigindo embriagado, e a resposta que o filho tem pra dar é:
– Quem você pensa que é pra me dizer o que fazer? Cê me abandonou, nunca foi em uma apresentação minha na escola, agora quer surgir sendo o paizão e se preocupando comigo?
É uma ideia muito absurda para o cidadão deixar o Estado dizer o que faz bem e o que faz mal, quando esse mesmo estado deixa faltar insulina para as pessoas.
Por vezes o pai reage irritado à desobediência, e o filho não aceita a imposição. Vemos isso nos flagrantes cada vez mais constantes de confrontos grotescos entre cidadãos e a polícia, que nada mais é que o retrato do enfurecido embate entre o cidadão e o estado, da briga do filho com o pai.
Chegamos a um ponto em que nem o filho está totalmente certo, nem o pai está completamente errado. Os dois já erraram o suficiente nessa relação, de modos que já não sabem mais o que fazer um com o outro.