O Brasil ama o sertanejo, porque o sertanejo é o Brasil.

O Brasil ama o sertanejo, porque o sertanejo é o Brasil.
(Por Stevan Gaipo)

Por que o sertanejo é o gênero musical de maior sucesso no Brasil há décadas? Eu acho que eu tenho uma ideia. Vamos lá: essa foto é do DVD “Chitãozinho e Xororó 40 anos entre amigos”, e você provavelmente já ouviu músicas de todos os cantores que figuram nela.

As vezes cê acha que não mas se eu puxar “o tempo passou e eu sofri calado, não deu pra tirar…” cê já completa daí.
A penetração desses artistas no povão, na massa brasileira, é total. Se convidássemos cada uma das pessoas que ouvem cada uma dessas vozes para um evento, teríamos que enviar convites para 95% do Brasil e muitos receberiam mais de um convite, tipo eu, com 25 convites recebidos, recorde de indicações, feito Titanic no Oscar. Filmaço, digassi di passagi.

Por que o sertanejo fala com o povo? Porque veio do povo. Era a música de quem sofria arando chão, depois migraram para a cidade e continuaram cantando, falando de amor. Hoje eles são jovens, falam de balada e internet, muito bem por sinal, sempre no ouvido do povo.

O povo também fala com o sertanejo. O Zezé di Camargo já disse em inúmeras entrevistas que o que mantém uma música no repertório do show é ela estar na boca do povo, no show. Assim ele sabe o tempo todo o que ele tá falando, e como as pessoas estão respondendo. A conversa continua.

O sertanejo é a cópia fiel do Brasil, que é a cópia fiel do sertanejo. Extraia a personalidade e a história de cada artista naquele palco, e verá que eles são a síntese perfeita do país. É tipo sintoma de dengue, de todos que têm aí, pelo menos metade sua família vai ter:

Que família não tem um tio engraçado, cujas histórias fazem a barriga doer de rir, que bebe pra caramba e adora pescar, como o Leonardo?

Que família não tem um tio todo certinho, que na hora do passeio de carro fala que todo mundo tem que ir sentado e de cinto de segurança sim, porque na cidade é perigoso sim, como o Xororó?

O tio que é um príncipe, que todo mundo acha lindo, educado, inteligente, que as amigas chegam pra você e dizem “Nossa, aquele seu tio Daniel, ein? Quê quê isso daquele homem! Tá solteiro?”.

O tio que não entende nada de tecnologia e já tentou passar uma calça via aparelho de fax. O sobrinho arregala o olho e pergunta: “Carai, tio Cezar, o senhor fez isso mesmo?”

O vô que mora na roça e adora um gado, vô Sérgio (Reis).

A tia que mora fora e é bem de vida, nos encontros de família sempre dá umas manotas, tia Roberta (Miranda).

Tem o tio Zezé, o jovem coroa, já tá beirando os 60 mas tá sempre malhadinho, bonézinho, bermudinha, ainda arrasa corações na cidade mas é comprometido, anda de pick-up com óculos escuros, vai nas festinhas, divorciado, de vez em quando dá desentendimento com a ex-esposa. Por sinal a família toda tem carinho pela ex-esposa do tio Zezé, e liga pra dizer:

— Ôh Zilu, eu fiz uma carne de panela aqui em casa, pede a Camilla pra passar aqui e pegar procê. Mas manda vasilha porque aqui em casa ês sumiro com minhas vasilha tudo.

Tem de tudo naquele palco. 1000 fragmentozinhos de Brasil que, retratos do país que são, trazem também os reflexos de nossas dificuldades.

Tem também o tio que é alcoólatra, já perdeu um monte de empregos e já foi até preso por confusão causada pelo álcool.

Tem tios que são irmãos e já saíram no tapa, já ficaram anos desentendidos.

O tio que não compareceu ao churrasco porque está preso. Uma bobeira, pessoa ótima, mas tá lá, é a lei.

Os que já morreram… Saudades tio Leandro, tio João Paulo. É só citar o nome deles no churrasco que a família começa a lembrar as histórias:

— Seu tio Leandro adorava uma pescaria. Se chegasse aqui e não achasse ele, podia saber que tava pescando.

— Seu tio João Paulo trabaiô muito tempo na roça, meu filho… Aliás foi seu tio João Paulo que tentou mandar a calça por fax pro seu tio Cezar.

O sertanejo é o gênero de maior sucesso no Brasil porque canta o que o povo sente, e canta o que o povo sente porque é igual ao povo, veio do povo.

A história de 2 Filhos de Francisco não fez sucesso atoa. Ela é a nossa história, de gente que vence apesar de tudo, e vencer não é nem fazer sucesso e ficar milionário, o vencer que a gente quer é um filho formado na faculdade. O que o Seu Francisco investiu pra música dos filhos estourar, a gente investe pro filho estudar.

O povo ama o sertanejo porque ele é o povo, em doses poeticamente deglutíveis.

Encerro com uma frase de Zezé di Camargo, pois não há pensamento que melhor sintetize:

“Tem gente que não gosta, fala mal do que nem viu, mas quem critica o que canto não conhece o Brasil”